quinta-feira, 20 de março de 2008

João Antônio II (em 2 partes)

- E, uma vez tomada a decisão, quis voltar imediatamente. PRECISAVA voltar, antes que fosse tarde demais e estivesse completamente tomado pela cidade, isso seria um caminho sem volta. João Antônio estava dizendo basta à esse suor do mal, à esse caos, esse cinza. Precisava sair daquele torpor, voltar para o ar fresco, emergir. Não agüentava mais o maldito 498 de cada dia e seus trancos descadeirantes, não agüentava mais as prostitutas, nem o cigarro. Nem o penteado, nem as roupas que vestia e o cheiro que cheirava. Imaginava que teria envelhecido 10 anos em 2, sentia que as rugas haviam cavado pela sua pele seca, sentia a fuligem no suor, sentia uma sujeira que não se tira com banho; e era isso que ele levaria de volta, sujeira.

Foi só o tempo de arrumar as malas e já estava partindo. Despediu-se apenas de uma pessoa: o cachorro da casa. Dois dias depois, João estava saltando na rodoviária de sua cidade. Não avisou a ninguém que estaria voltando, apenas voltou. Foi bem recebido, matou a saudade dos amigos e familiares e por conta disso, passou quase um mês inteiro em reencontros, celebrações e reuniões. Todas esses encontros fizeram com que se parecesse um pouco como um ex-cativo em processo de re-socialização, mas, mais uma vez, não importava, já estava sentindo-se bem melhor, pelo menos. Agora iria arrumar um trabalho e tudo ficaria perfeito. Aceitaria pouca coisa, sabia que estivera fora por quase 2 anos e além de estar com o peso em alta e o vigor em baixa, ficara também, fora do ‘mercado’ tempo demais e, trabalho, pra trabalhar em fazenda, só se consegue com indicação só.

Mas o problema era justamente esse: João não estava conseguindo trabalho. Tirava um dinheiro aqui e ali, mas só e pelo menos e mal, dava para pagar o que comia. Vivendo de favor na casa de primos, a situação já estava ficando chata.

Num certo domingo, João saiu cedo de moto até a cidade vizinha, para participar de um rodeio que se inscrevera com antecedência. Desde que voltara do Rio, e isso já tinha bem uns 7 meses, ainda não competira em torneios, mas estivera treinando, com um boi bravo do primo. O primo que não lhe falou nada para não incentivá-lo demais, achou que João, inexplicavelmente, retornara montando melhor do que quando foi.

No domingo do torneio, estava um dia bonito, o céu bem azul, sem uma nuvem, sol das 11 horas. A temperatura não era necessariamente quente, mas o sol já estava queimando. Enquanto isso, João Antônio estava prestes a fazer sua corrida e por isso estava concentrado: teria 3 chances em 3 dias, para fazer o melhor tempo e pontuação. Precisava uma única tentativa que desse certo. Ele estava, mais uma vez, dando-se a chance de ser o que pensava que poderia ser. Esta seria a última, se falhasse, contentaria-se em ser um peão de fazenda e nunca mais tocaria no assunto. Mesmo com esses pensamentos, João sentia-se tranqüilo, com o coração batendo forte, mas confiante, estranhamente confiante.

Assim que montou no touro, abriram a grade; segurou-se com força na tira de couro, e o touro largou em disparada, com rodopios, sacolejando, coiceando, levantando poeira e jogando seu chapéu longe. Em câmera-lenta, João sentia os solavancos e o sol quente e viu aquele monte de gente na platéia; sua mão direita estava firme na correia embora o touro pulasse como um louco. João sentiu-se completamente familiar com aquela situação e à vontade. Não sabia porque, mas ele talvez tivesse voltado mais selvagem da cidade. Enquanto seu corpo era sacudido em todas as direções, João mantinha-se firme e lembrou-se da Avenida Brasil e do 498. A arena era quase a mesma e a situação, muito parecida. Agora ele sabia, que sobrevivera ao Rio e ao 498 mantido apenas pelo braço, fora garçom, recebera muitas ordens, tentara suportar e equilibrar as exigências de outros, tantos outros. O ônibus que vai desvairado pela Avenida Brasil tem muitos cavalos de potência, por que ele não seria capaz de resistir a apenas um touro? Sentiu-se realmente capaz de sair de lá, campeão do torneio. 2 e 500, na hora, na mão. E fôlego para tentar manter-se no topo.

Esses pensamentos tomaram 8 segundos na cabeça de João, que no 9º segundo, foi atirado ao chão com violência. Caiu de lado, com o ombro do braço que já fraturara e meio de cabeça também. O touro já estava atrás dos palhaços e duas pessoas entraram correndo na arena para socorrê-lo, mas antes que pudessem chegar até ele, João levantou-se e acenou, não havia sofrido nada.

A platéia gritava, 9 segundos é um ótimo tempo e João Antônio vibrava. Os juízes dão notas para a ‘agressividade’ do touro e para a atuação do peão. Ao final do torneio, que durou 3 dias, aconteceu que sim, João Antônio foi o grande campeão e revelação, notícia do jornal local. E depois desse torneio, de muitos outros também, João Antônio foi campeão; despontou, cresceu, foi vitorioso, destaque por muitos anos. Virou um ícone do movimento Sertanejo no Brasil, comparecia ao Faustão regularmente, ficou rico, escreveu livros, deu palestras, workshops, vendeu rações para cachorros, cavalos e peixes, botas e cintos de couro.

Nos seus livros, ele extrai lições de sua vida de sucesso; nas palestras, conta sobre sua trajetória, sua persistência e ensina à empresários que o mundo dos negócios é como equilibrar-se num touro bravo, onde o touro é o mercado e os trabalhadores são as amarras de couro.

João Antônio, atualmente, adora o Rio, mas apenas como turista, tanto é que ainda mora no interior de São Paulo e passa férias no Pantanal. Viaja de avião, anda de carro com motorista e ar-condicionado, tudo acolchoado, mas não se esquece das poltronas duras do 498. Porque foi no arredio 498 que João Antônio domava todos os dias, que ganhou resistência e aprendeu absorver os impactos do caminho. No esforço para manter-se em seu lugar, todos os dias pela Brasil, tornara-se casca-grossa, experiente, malandro.

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