quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Carta a Cabral

I
Ei velho Cabral, veja só que sorte,
já inventaram o tele-transporte!//
Faz Rio-Lisboa em poucas horas
e assim como vai, também volta//

Ir às Índias, agora é um pulo
e querendo dar a volta ao mundo,
basta fechar a escotilha//

Mas antes que se lamente à toa,
saiba: não é tão bom como soa//
Deu-se fim a viagem,
já não se descobre novas paisagens//

Guiado via satélite, não hesita;
segue estrelas inventadas
e faz o que lhe ditam//

Triângulo das Bermudas, agora é concorrido
e vou à Salvador, só pra folia//
Hora de chegada e hora de partida,
é dar muita chance ao imprevisto//

Voa tão alto, que abaixo, pouco vê;
de nariz empinado,
apontado pro céu//

II
Aventura, fica por conta do filme na tv,
distrações para preencher o vazio//
A pressa pelo objetivo faz esquecer,
que ‘perder-se também é caminho’//

Segurança no cinto, máscara de ar,
permaneçam em seus assentos,
já vamos chegar//

Seguindo o roteiro, sem sair da fila,
típica comida: sabor globalizado//
tudo preparado, com boa antecedência,
para te apresentar ao estereotipado//

Ouvir a voz do guia, olhar para onde aponta;
fingir que não se dá conta
da criança na esquina//

Veja que bonito, oh!, como é belo;
pontos turísticos, prontos para agradá-lo//
Lembrancinhas, souvenirs, fotografias;
se ganhassem cicatrizes, não esqueceriam//

E depois, é malas prontas,
já estamos de partida!
Tamanha correria, também na despedida//

III
Chegar em casa é aquela tristeza,
dá depressão e até jet-lag//
A vida é mesmo uma dureza,
o psiquiatra que te aguarde!//

E se antes eram loucos os que navegavam,
parece que hoje a viagem enlouquece.
Pois está tudo a um só click, na internet//

A cidade onde vive, ainda desconhece
e pouco sabe de seu vizinho de porta//
Mas planeja com antecedência quando irá
a próxima vez para a Europa//

Agora já sei, amigo Cabral,
que a Terra é redonda e gira em torno do sol;
suspensa no vazio do vazio da alma, daquele que é só//

Cedo ou tarde a gente se encontra
e você me conta sobre o que é viajar//
Afinal, por que ir tão longe,
se não quer sair do lugar?//

Imagino que deves sentir saudades,
dos 7 mares e daqueles dias//
Quando ainda acreditava-se em ilhas desconhecidas//