terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Uma estória de Jussara

Por volta das 18 horas, a temperatura cai e a avenida enche-se de som e luzes, começam os happy-hours. Os jovens e outros nem tanto, afrouxam a gravata, dobram as mangas, abrem as blusas; as jovens e outras nem tanto, soltam os cabelos, antes em coques e rabos e retocam o batom. Desce uma, desce duas, desce três, o clima é agradável, a música tá bombando, a galera animada.

Pelas calçadas da avenida, os bares fervilham e logo surgem os molequinhos que vendem chicletes, cigarros, ou desafiam para um jogo-da-velha. Jussara começou vendendo Bolin-Bola, Trident e Ping-Pong, durante o dia, mas hoje ela faz 15 anos e estréia no ramo dos amendoins. Ganhou a autorização de sua mãe para trabalhar à noite, coisa que até então, apenas seu irmão mais velho fazia. A tão esperada promoção! Não é todo dia que se faz 15 anos.

A velha, mas eficiente estratégia de marketing, ela conhece de cor: primeiro passa nas mesas para deixar um punhado de amostra-grátis. Depois da última mesa, volta à primeira para oferecer o produto, 3 por 5.

Jussara veio de longe. Trouxe numa grande bolsa os cones que a mãe prepara e mais um pote cheio para comer ao longo da noite e enganar a fome até voltar para casa. De mesa em mesa, de bar em bar, oferece, recolhe, vende, come. Seu irmão, agora engraxa sapatos, assim levanta uma graninha melhor e também dá um tempo no amendoim, que não agüentava mais comer. Mas Jussara adora e acha que nunca vai enjoar, sem contar que faz tempo que reclamava o direito de trabalhar a noite, porque ‘já não era mais criança’.

A noite passa e Jussara trabalha desenvolta nas ruas e concentrada na atividade. Entre uma venda e outra, um e outro bocado, um rapaz na mesa 8 compra 3 e lhe paga 10, ela dá o troco, ele recusa, ela insiste mas ele lhe oferece uma bebida:

-Tem álcool?

- Só um pouquinho, mas é gostoso, de morango.

Ela bebe de golinho, até que é bom mesmo, nem dava pra sentir o gosto etílico. Jussara não costuma beber apesar de já ter experimentado, menos ainda na companhia de estranhos, mas hoje é uma data especial e ela se permite esse benefício. O rapaz também é bem apessoado e o lugar, público. Ao final agradece e se retira. Ele havia sido simpático, mas sua mãe sempre lhe prevenira sobre os perigos de trabalhar na rua; a senhora se deu conta da mulata de sorriso grande e olhos amendoados que tinha em casa, desde cedo.

A noite transcorre numa boa, Jussara está feliz e sente-se muito à vontade na tarefa. Depois de vender quase tudo e com a movimentação nos bares já bastante reduzida, organiza-se para pegar o ônibus na Central e voltar para casa. Abre um cone que não foi vendido para comer, porque seu pote de extras acabou. Quando vê, o rapaz da 8 ainda está lá. Ele lhe sorri e sinaliza. Não compra mais nenhum amendoim, mas oferece outra bebida. Ela hesita mas aceita, estava com a boca seca. Desta vez, de abacaxi.

- Quem diria que meu aniversário de 15 anos seria assim! – pensa Jussara, - Com drinks-chics-de-guarda-chuvinha, sentada na mesa como um deles, ao lado de um rapaz bem vestido e cheiroso!

Sente-se uma mulher, dessas que ela vê na companhia de caras como esses; branca, de cabelos longos, pele macia e grandes bolsas a tiracolo. Sente-se bem, linda, adulta, sente-se feliz, de riso solto, de corpo mole. Está falante, extasiada, vê a cidade linda, toda iluminada. Sente uma tontura agradável, as cores destacadas, os sons não tão claros. Sente uma mão em seus ombros, mexendo em seus cabelos, seus olhos fechando, a mão dele em suas pernas, um tesão indescritível; o motor de um carro, um silêncio quente. Não abre os olhos, mas desperta e sente-se cansada, relaxada e ao fundo ouve uma trilha sonora, até que uma grande lufada de ar frio a faz despertar definitivamente do transe. Era ele empurrando a porta do carro com o braço por cima dela, no assento do carona:

- Central, chegamos.

São altas horas da madrugada, o que aconteceu?

Sente o corpo dolorido, as roupas amassadas, sente dor de cabeça, foi o álcool, foi o amendoim. Já foi.