segunda-feira, 17 de março de 2008

João Antônio I (em 2 partes)

- João Antônio era nascido e criado no interior São Paulo; trabalhava numa fazenda e ganhava uma grana razoável para ralar das 6h às 16h. Trabalhava para se sustentar, por que o que queria mesmo era ser peão de rodeio. Só que, o que costumava ganhar com pequenos prêmios em competições não era suficiente para viver, além de ser um bocado inconstante. A verdade é que João Antônio não era exatamente o melhor dos peões.

Foi ao chão depois da queda e quebrou o braço esquerdo. Sem condições de trabalhar, tum!, foi demitido. Ia ter que ficar uns 4 meses sem poder montar num cavalo. Desanimado e sem perspectiva, vendeu seu Gol 96 e veio para o Rio de Janeiro. Entrou numa nóia de que já estava na hora de tirar essa idéia de ser peão da cabeça, virar adulto, trabalhar sério, toda aquela pressão. Aí, se largou pra cá pro Rio, na esperança de que algo acontecesse por aqui. Esperava algo que mudasse sua vida, sabia que teria mais chances de descobrir sua real vocação, numa cidade grande. No Rio de Janeiro, seus dons seriam valorizados, teria uma chance. Tinha dinheiro para começar uma faculdade, talvez; arrumaria um emprego, conheceria pessoas, poderia fazer um curso, sabe-se lá!

Ficou na casa de um antigo amigo no antigo bairro da Penha. A princípio era temporário, mas não encontrou nada mais acessível e no final das contas, seria melhor para os dois. A amizade entre eles não era como antes, mas tampouco deram-se mal e foi ficando.

Se o aluguel era barato, é certo que cobraria seu preço de outra maneira: a Penha é um bairro pesado. Mesmo para um interiorano acostumado a rodar nas ruas de São Paulo, a Penha é difícil de engolir: é industrial, cinza e quente. Extremamente barulhenta e com gigantes-caminhões-dobrando-esquinas-apertadas-de- mão-dupla; João Antônio sentia-se num ambiente hostil.

Tem as praias e toda aquela beleza do Rio, é claro, a alguns consideráveis quilômetros, é verdade; mas João Antônio não tinha interesse de qualquer jeito. Apesar do Rio de Janeiro ser um dos grandes centros mais verdes do mundo, aquilo era pouco para João Antônio. Parecia esmola dada aos pobres.

Vocês também podem achá-lo viadinho ou o que for, mas ele sentia falta da sua vida rural, de montar, do ar fresco, desde que chegara. Para quem passava a maior parte do tempo no lombo de um cavalo do que na poltrona de um veículo, a Penha era longe de tudo! E a Avenida Brasil, a via crucis diária.

Uma das mais importantes vias do Rio de Janeiro, liga a zona norte, onde morava, à zona sul, onde trabalhava. Logo que chegou, arrumou um emprego de garçom, num bar em Laranjeiras. De sua casa até o trabalho, levava normalmente 1 hora na ida e uns 50 minutos na volta. Minutos de um calor de muitos graus, multiplicado pelo asfalto quente. Em compensação, o trânsito nesse horário não é dos piores e o ônibus também, não vai tão cheio, porque trabalhava de garçom no turno da tarde.

Pista livre, horizonte tremulando laranja, sol e poeira; é a arena perfeita para ônibus desenfreados rosnarem seus motores, correndo a velocidades extremas, com curvas dilacerantes. Além, é claro dos solavancos selvagens: 498, é como se chama e Penha - Cosme-Velho, é seu trajeto. Um robusto amontoado de metal e pouca espuma nas poltronas. Entre freadas, arrancadas e buracos de todo diâmetro e profundidade, manter-se como fosse, era realmente uma proeza.

João Antônio estava no Rio há coisa de 10 meses apenas, mas já fora completamente engolido pela cidade e seus tentáculos: mendigos, asfalto, fios de alta tensão, tiros, tensão, prostitutas, tesão, noitadas, pombos, bebidas. Já tinha conhecido muitas ruas e muitas garotas pelo caminho, já comprara algumas roupas, já fumava uns cigarros, - coisas de cidade grande -. Jamais imaginara-se freqüentando aqueles lugares, fazendo esse tipo de coisas, mas a cidade o levava àquilo. Sentia-se assustado com a rudeza dos caminhões que passavam, fazendo tremer seu quartinho e com o barulho das pessoas para lá e para cá; as luzes ofuscantes das traçantes e a cidade dos traficantes.

Havia uma certa áurea de caos na cidade que lhe perturbava. Uma certa sensação de permissividade que despertou um lado seu pouco explorado, e o calor...! Ninguém ali lhe conhecia ou o veria novamente, e era tanta gente que ele tinha a sensação de ser impossível distinguir um indivíduo do outro. O Rio de Janeiro lhe dava vontade de chutar o balde.

Viveu como num turbilhão, girando, girando e as coisas passando mais rápido do que se pode registrar. Via-se sentado no bar e não sabia porquê. Não havia o menor sentido naquilo! Via-se com mulheres, queimando suas economias, mas nada podia fazer. Era como se estivesse hipnotizado, em transe, mas às vezes tivesse lapsos de consciência em que conseguia se olhar de fora, sem forças, no entanto para interferir nos fatos, era mais forte que ele.

Gastou cada centavo de suas poupanças ao longo do tempo que ficou aqui e não tinha nada. O trabalho estava insuportável e sem futuro, morria de saudades da fazenda e do trabalho ao ar livre. Estava resistindo há, quase 2 anos já, bravamente ou covardemente, não sabia, não importava mais.

Decidiu que queria voltar, aliás, agora tinha certeza. Esse pensamento já o rodeava quase que desde recém-chegado, mas agora o atacara definitivamente. Ou simplesmente o resto do seu orgulho se esvaíra, também não importava: voltaria para sua cidade! De cabeça baixa, com menos do que fora, mas pelo menos voltaria. Seria sempre bem recebido; aquela seria sempre a sua cidade; o acolheria com o abraço de uma mãe e, embora ficasse um pouco envergonhado por estar fugindo, isso tampouco importava! Manter o seu orgulho diante dos outros já estava ficando caro demais.

E, uma vez tomada a decisão, quis voltar imediatamente... >>continua.

Um comentário:

sampin disse...

Sempre textos com personalidade...não só no sentido de ter uma forma particular de se expressar, mas por conter fragmentos do SEU cotidiano, SEUS sentimentos, SEUS vícios...mesmo que inconscientemente...
Isso é bom!